quinta-feira, 3 de julho de 2025

Nai Teirra du Naida, Nu Dia du Impossive

Muriola com cerveija é bão!

Vaile mais que um milhão!

Sairdinha cum tuibarão?

Isso vai dair confuisão...


Feiliz ié u gaito!

Qui naum preicisa de saipato!

Soirtudo ié o poimbo!

Nuinca gainhou um toimbo...


Zaninha beibe na praiça!

Eiche o cui de caichaça!

Ié feia qui neim a disgraça!

Vumita qui loigo paissa...


Feiliz ié u raito!

Qui naum tira neim retraito!

Soirtuda ié a meirda!

Toido muindo teim e ningueim heirda...


Maixixe num ié soi pá cumê!

Xeixeca num ié soi pá lambê!

Voy fuimá mieu cigairro aité moirrê!

Dimim ié difice dieu mi escondê...


Feiliz ié u paito!

Qui cuirti maió baraito!

Ieli faiz pairte duima bainda di roick!

Pur uisso nuinca toimou choique...


Nai teirra du naida nu dia du impossive!

Mai ieu sinti uima doir terrive!

Iera di noiti i taiva taum horrive!

Mai fuoi uima seinsação incrive...


(Extraído do livro "Maluqueci de Vez" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Poeira para Todos!

Eu poderia estar roubando...

poderia estar matando...

mas estou só bancando 

o babaca numa rede social...


Quero ser um idiota famoso...

mostrar aquilo que não tenho...

fazer aquilo que não faço

até cair duro no asfalto...


Não tenho porra nenhuma...

minha cultura é um zero...

afinal de contas, caralho,

quem estarei enganando?


Meu sexo é o da moda...

não amo ninguém...

não gosto de nada...

sou apenas uma farsa...


Eu danço é na lama...

eu fico é na merda...

sou feito um político

que só rouba sorrindo...


Olha o filé de rato...

olha o sorvete de barata...

olha o pudim de mosca...

quem aí é que vai?


Vou montar no "Cacareco"...

dar passeio no inferno...

até a polícia me parar...

e arrancar os outros dentes...


Eu poderia estar cagando...

poderia estar mijando...

poderia estar batendo uma...

mas estou fazendo porra nenhuma...


(Extraído do livro "Pane Na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Até Dança

Pois os opostos sempre se contraem

Os snipers agora usam estilingues

Os botões pularam da camisa ao chão

E as nossas férias passadas no hell

Quem aí gosta de brincar de pula-pula

Entre as montanhas do Himalaia?


Quanto mais vejo mais duvido de tudo

Principalmente de conversas amistosas

Os leões sempre aparecem pro jantar

Trazendo seus úteis tickets-refeições

Qual o milagre que podemos realizar

Nesses dias quase sem sal de hoje?


As artimanhas possuem algumas manhas

Ainda mais se os jogos forem de baseball

Nosso sangue é azul como qualquer um

E nossos espelhos sofrem de pura timidez

Etilicamente falando meu novo idioma

Quando está previsto nosso new Nirvana?


A peça veio com algum defeito de fábrica

Prazos de validade não possuem prazos

Eu te amo mesmo antes que existisse

Mas agora o meu trono está quase vago

Quanto vale aparecer pro mundo todo

Quando nos escondemos pra nós mesmos?


Todo preço de fama é por demais alto

Mesmo em calamidades que sejam íntimas

Cada estrela poderá ser pega com as mãos

Se os caminhos deixarem os pés passarem

Haverá uma ruga nova pra uma ruga velha

Ou nosso teatro vai perder toda sua graça?


Novos bacurais agora cantam pelos dias

Enquanto as morenas aboliram as minissaias

A maior polêmica que posso ainda realizar

É dar aquele mergulho na fossa das Marianas

Será na lua cheia ou será na lua nova

Que meu demônio despertará de seu sono?


Todos os dias que foram bons já passaram

Enquanto os maus nem ao menos chegaram

Um cigarro aí pro nosso nobre dançarino

Mas separem o milho que é para os corvos

Será verdade que os dentes cavam as covas

Pois nossa fome é bem mais que eterna?


Nem um conhaque eu tenho, nem um conhaque!...


(Extraído da obra "O Livro do Insólito e do Absurdo" de autoria de Carlinhos de Almeida).

terça-feira, 1 de julho de 2025

A Ilusão da Ilusão

As cartas não foram marcadas

Elas nem existiam...


Ando em cavalos-de-pau

Menino desesperado

Acordo no meio da noite

Era apenas pesadelo

Fumo mais um cigarro

Apenas por hábito...


As sentenças não foram proferidas

Esqueceram-se delas...


Repito sempre as lições

Nem pude aprender

O anonimato me persegue

Até o final dos tempos

Meus bolsos andam cheios

De planos incertos...


O destino debochou de mim

E sempre se repete...


Os teus olhos tipo de gata

Pedaços de abismos

O começo de cada final

É uma rua estreita

Não consigo mais ficar

Nem comigo mesmo...


Não farei mais uma pergunta

Por medo da resposta...


Todos os números insuficientes

Para tantas estrelas

Não ficarei mais de joelhos

Pois não sei mais rezar

Passará na sessão da tarde na TV

Os replays do fracasso...



Um tapete feito de brasas vivas

Não queima mais os pés...


Em terra onde só existem cegos

Quem enxerga é louco

Os filósofos agora só xingam

Pois não filosofam mais

Vou fazer logo aquele pix

Para comprar a morte...


Eu nunca esquecerei daquela canção

Que eu não me lembro mais...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de

Almeida). 

Engenharia de Sobrevivência

Alguns segundos prolongados

Alguns centavos á mais na conta

Concordar com a vulgaridade

Correr de costas se assim for

Ganhar o prêmio dispensável...


Engolir a fala na hora do grito

Perder a razão mesmo estando certo

Gargalhar com a boca fechada

Ser apático como todos estão

Olhar as nuvens com olhos fechados...


Comer só o que a mídia manda

Fazer sexo quando falta o tesão

Pisar em cima de sonhos alheios

Votar no ladrão mais agradável

Conhecer o que é desnecessário...


Se acorrente nas redes sociais

Tente ser o mais desonesto possível

Idolatre quem não tem mérito algum

Faça papel de idiota se agrada

Tente passar a perna em Deus...


Perca seu sono por qualquer bobagem

Troque o que é real por falso otimismo

Invente uma fórmula mágica inútil

Ache que saiba de tudo que existe

Use a amizade como uma mercadoria...


Tente pensar que não é pobre-coitado

Que sobreviver é o que mais importa

Que o infortúnio só é para os outros

Que só você merece o seu perdão

E que não estamos nos escombros...


(Extraído do livro "Pane Na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

 

Fuzarca do Patusco

Olha que coisa mais bonita

Achei no lixo meia marmita

Já garanti o meu almoço

Pena que deixaram só o osso...


Mas que coisa mais interessante

Encontrei um resto de refrigerante

Estava até quase que gelado

E ninguém tinha nele babado...


Jogaram um colchão velho fora

Eu tenho onde dormir agora

Não preciso mais de papelão

Pra poder dormir no chão...


Tem roupa boa ali do lado

Já não fico mais pelado

Dá até pra aguentar o frio

Mesmo de estômago vazio...


Achei um pão doce sem creme

Tou famoso quase virei meme

Mas como é tão sensacional

Limpar a bunda com jornal...


Eu corto as unhas mês que vem

Elas estão grandes feito trem

Meu dente da frente apodreceu

Minha boca tá parecendo um breu...


Acho que não tenho mais piolho

E não tem dado remela no olho

Da ziquizira eu fiquei curado

Mas meu chinelo tá arrebentado...


Tou gostando de uma corcunda

Que tem uma ferida na bunda

Ela tem mania de mascar chiclete

E tá morando numa quitinete...


Olha só que coisa sensacional

Tava andando e achei um real

E meio corote pra encher o rabo

Só não me chama de pobre-diabo...


(Extraído do livro "Maluqueci de Vez" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Quem Vai Morrer Aí?

Quando o coração parar

Quando seu músculo romper

Quando não der pra aguentar

Quando o peito só doer...


Quem vai morrer aí?


Quando o cérebro não pensar

Quando o corpo desobedecer

Quando a lógica enfim capotar

Quando a perna desobedecer...


Quem vai morrer aí?


Quando o pulmão falhar

Quando o ar então arrefecer

Quando a vida sufocar

Quando a fogueira crescer...


Quem vai morrer aí?


Quando a veia estourar

Quando o corpo perecer

Quando a hora então chegar

Quando não der pra socorrer...


Quem vai morrer aí?


Quando a metástase espalhar

Quando aquele tumor aparecer

Quando não der mais pra gritar

Quando a ferida tiver que doer...


Quem vai morrer aí?


Quando toda a carne secar

Quando a idade não mais valer

Quando a saliva se avermelhar

Quando não há rua pra correr...


Quem vai morrer aí?

Quem vai? Quem vai? Quem vai?


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Alguns Poemetos Sem Nome N° 345

Imersos no tempo

Queremos ser o que não somos...

Rindo de qualquer piada

Para que o coração não esmoreça...

Amando todo o perigo

Para nossa alma não arrefecer...

O ontem é bilhete de loteria

Que teimamos em guardar...


...............................................................................................................


Tudo é apenas mais uma dança...

Assim é... Assim é... Assim é...

O meu menino é grande teimoso...

Pois eu lhe aplaudo por isso...

As palavras são grandes amigas...

De todos os poetas... Todos eles...

Meus sonhos maiores que o mundo...

Pois sempre assim foram e serão...

Tudo é apenas mais uma dança...

Assim é... Assim é... Assim é...


...............................................................................................................


Guardo o espelho

Como quem se desespera

Faço minha poesia

Assim como os desenganados

Ávido de alguma esperança

Como quem se perdeu

Eu sou aquele que não foi

Que não é e que nunca será...


...............................................................................................................


Faço malabarismo com minha tristeza

Como um acrobata na hora de seu show

Cair lá de cima pode ser realmente fatal

Um erro só pode ser o final desastroso

Então aos poucos vou transformando-a

Em um pedaço qualquer de alegria...


...............................................................................................................


Um bando de saltimbancos invadiu a praça

Um bando de alegrias pulou em meu peito

Há flores que não escolhem nem estação

Porque sabem que não se pode esperar nada

As ondas não se cansam de embalar o mar

Um céu sem nuvem alguma é coisa mais rara

Tudo parece que está sorrindo até as pedras


...............................................................................................................


O amanhã? O amanhã, eu não sei...

As nuvens que estão lá em cima agora

Talvez comecem a passear em breve

E depois se escondam pela terra...

O vento que agora sopra tão manso

Pode se transformar numa ventania

E comece a varrer as folhas caídas...

O carinho que recebi dia desses

Pode ferir minhas tímidas carnes

Até que se transformem em feridas...

Aquele amor que desejei e não tive

Pode vir de repente meio sem graça

Ao descobrir que não amo mais...

O amanhã? O amanhã, eu não sei...

Minha vó dizia: Adivinhar é proibido...


...............................................................................................................


No palco do mundo loucuras

Disputas vãs sem propósito algum

Vencedores e vencidos a mesma coisa

Quem ri e quem chora iguais

Viver não é apenas o respirar

Morrer é um célere compromisso

Que vai um dia acontecer...

domingo, 29 de junho de 2025

The Best

Eu faço estrelas com as mãos

Sóis pelo chão como quem o invoca

Uivo para as luas mais sensacionais


Eu assobio muitos e vários enigmas

Castelos de areia na beira do mar

Flores que eu nunca saberei o nome


Faço também uma dança da chuva

Para que as nuvens possam gostar

E dar seus maiores risos lá de cima


Enxugo as lágrimas que escorrem

Como se o medo não mais existisse

E que meus sustos fossem falsos alarmes


Quero que os versos me encontrem

Quando brincamos de esconde-esconde

E a ternura chega mesmo que doendo


Vejam o charme que ela teve um dia

E que ainda perdura mesmo em rugas

Obedecendo a lei natural existente


Talvez eu adormeça num dia qualquer

E acordar é mais uma outra história

Que ninguém ainda aprendeu contar...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).

E A Lua Fugiu...

E a lua fugiu, foi pro espaço...

Por que? Foi por cansaço...


Cansaço de contar estrelas

Mesmo ao não vê-las

Cansada de morcegos voando

Solitários em bando...


E a lua fugiu, foi pro espaço...

Por que? Por um embaraço...


Meio de noite era meio-dia

Nossa fogueira era fria

Tantas rimas óbvias demais

Fuga sem Alcatraz...


E a lua fugiu, foi pro espaço...

Por que? Queria abraço...


Queria flores num jardim

Queria eu sem mim

Uma nudez tão mais nua

Nudez de meio de rua...


E a lua fugiu, foi pro espaço...

Por que? Foi por cansaço...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).

sexta-feira, 27 de junho de 2025

O Funeral do Rico Burguês

Não sou de guardar datas. Muito mal guardo o ano em que as coisas aconteceram (não todas as vezes), de vez em quando o mês (quando foi algo muito significativo) e o dia da semana, pode esquecer...

Por que acontece isso? Em parte pode ser que a mente já esteja cheia, isso acontece com todo ser humano. Quando nascemos nossa primeira impressão é aquela luz forte, hostil e desagradável da sala de parto, depois vem a explosão do nosso choro e, eventualmente, o choro de mais alguém que acabou de nascer. Com o passar do tempo, dias, semanas, meses, anos, surgem um monte de coisas, necessárias ou não, que acabam enchendo nossa mente, aprendizados e fatos, alguns se apagam, outros nãos. Para isso, colabora a nossa idade, e eu, não sou mais do que um velho.

Por outro lado, deve ser consequência do tempo em que vivemos. Mesmo que ele seja semelhante a todos os outros que a civilização humana já teve até hoje, o nosso é bem mais exagerado. Sim, estamos na época do exagero. Exagero de mitos, de mentiras forjadas de cara bonita, de necessidades dispensáveis, da apatia necessária para que o poder domine, de uma tecnologia descartável. O dinheiro já é nosso deus há muito tempo e não quer descer dos altares. Como todo cidadão que se preza, ou não, acabo esquecendo, o que faz que eu seja um cidadão "normal".

Mas vamos ao que interessa. A notícia chegou pelo WhatsApp, e eu, por acaso, acabei lendo. Sabe aqueles grupos que você tem apenas por ter? Grupos que você raramente lê o que postam e que logo que pode, apaga aquele monte de mensagens para não ficar pesando na memória do celular? Mas acabei lendo...

Aliás, um grupo igual à tantos outros. Um grupo de ex-alunos da minha escola. Acabei entrando de gaiato naquela merda e acabei, como sou ainda muito tímido, não podendo sair.

Pois é, o cara morreu. Deveria ser, quando muito, uns meses mais velho do que eu. Saúde? Possivelmente tinha mais do que eu, já que foi militar uma boa parte da vida. Mas como dizia meu velho pai: "Tinha é pior do que lepra..."

Morreu do coração, um infarto daqueles que nem o socorro conseguiu evitar. Segundo falaram no grupo, estava assistindo o jornal na televisão na sala e caiu duro de cara no tapete. Morreu como viveu depois dos tempos de escola. Morreu burguês, no lar, junto com os filhos e os netos, diferente do grande filho-da-puta que foi no passado.

Morreu moralista (falso?), conservador, religioso, não mais o antigo comedor das putinhas daquela época, sim, naquela época já havia muitas, só que mais escondidas do que hoje em dia. As mesmas de antigamente, hoje são as adoráveis "mães-de-família"... Ah! Ia me esquecendo, de alguns "viadinhos" da época. Se aquele banheiro do pátio da escola falasse...

Vou nesse enterro...

Não gosto muito de ir nesse cemitério. Não pelo cemitério em si, é um cemitério normal, tem até uns túmulos bem bonitos e eu não tenho aversão à eles, até gosto. Mas além de não gostar de ir em funerais, meus pais foram sepultados aí, os ossos do velho estão ainda aí, os de mamãe tiveram que ir para outro por falta de vaga na época. Fora isso, uns dois tios meus ficaram aí e também alguns conhecidos.

No enterro compareceu bastante gente. Parentes, amigos e algumas pessoas não muito conhecidas. Não sei porquê, mas deu pra notar isso. Os parentes, a maioria por obrigação, duvido que ele, em vida, prestasse alguma coisa. Fica difícil acreditar que o tempo lhe ensinou alguma coisa. Alguém disse com muita razão uma vez: "Os canalhas também envelhecem"...

Amigos? Bem, ele deve ter tido duas categorias de amigos: a primeira, a dos amigos por conveniência. Aquela em que estão incluídos os que conviveram no mesmo ambiente de trabalho, os que conviveram na mesma rua ou no mesmo prédio, os que de uma forma ou de outra acabaram convivendo com ele, mesmo sendo uma pessoa desagradável. Inteligente? Talvez... Educado? Pode ser... Mas uma pessoa que sempre vinha com aquele sorriso de falsa superioridade como existem muitos por aí. "Minha religião é a única certa". "Meu Deus é o único", "Eu sou o melhor de todos". "Tenho sempre razão em tudo". "Se erro, devo ser desculpado". E por aí vai... O mundo está cheio desses merdas.

Já na segunda categoria, estão os "verdadeiros" amigos. Aqueles que não valiam nada, iguais à ele. Os que achavam que se ofendessem, isso não tinha importância; os que se magoavam, magoaram sem querer e que, de qualquer jeito, deveriam, ser perdoados; os que achavam que estavam sempre certos; que consideravam que o mundo é dos mais espertos e que os mais capazes são os que têm mais. Um bando de bostas, uns classe-média, que não aprenderam a lição dos mais pobres e nem o poder sujo dos mais ricos. Se houvesse um "Clube dos Babacas" ficaria difícil saber quem presidiria, mas todos, com certeza, seriam sócios efetivos.

A viúva estava lá. Reconheci de longe. Não pela foto, nunca que ele postava ela nas redes sociais. Mas pelo comportamento dela e dos outros presentes ao funeral. Chorava, chorava. Estava chorando por que, sua vaca? Chorando porque agora ia ter que acabar a filha caçula que nasceu com síndrome de Down. Pois é, a única coisa boa que eu soube que este canalha fez em toda sua vida foi esta - teve uma filha com esse problema e preferiu separar da mulher e criar os filhos sozinhos. Até o Diabo pode ter alguma qualidade, né?

O resto dos parentes, nem precisa comentar. 

Nem o caixão que, com certeza, foi daqueles de primeira, nem as coroas de flores, mais de uma. Muito menos sobre aquelas orações que fazem para consolar os parentes, já que na religião do falecido não existe intercessão alguma pela alma dos mortos. Morreu, lascou.

Alguns dos que estavam no enterro, eu vi antes, nas barraquinhas que ficam do outro lado da rua tomando uma cerveja, o que é mais do que uma tradição nos enterros, para aqueles bebem. Vão "beber o morto".

Mas eis que aí acontece o insólito. É comum termos duas expressões para os cadáveres: uns parecem estar sérios, como se não gostassem de forma alguma desta partida sem volta que todos passam, Outros, possuem a expressão mais serena, o que não deixa de ser mórbido da mesma forma, parecem que estão dormindo.

O cara estava sorrindo! Isso, sabe aquele sorriso que parece que vai se transformar num riso? Tipo quem está escutando o meio de uma piada, prevendo que rirá em alguns segundos. 

Pois é, vai dar aquela sua risada asquerosa quando me fazia bullying, há décadas atrás, nesta merda de escola que hoje está em ruínas. Dizem que certos traumas são como algumas cicatrizes, resultado de feridas que fecharam, mas que nunca apagaram. Era hora do recreio, eu acabei ficando mesmo no laboratório em que a gente estudava. Veio você e aquela meia dúzia de filhos da puta, me cercaram. Começaram a falar gracinhas em graça. Até que um de vocês (não falo o nome, mas me lembro quem era, já morreu também o desgraçado) sentou no meu colo e começou à rebolar. Como resisti sem esboçar nenhuma reação, acabaram indo embora.

Cambada de desgraçados! Filhos-da-puta! Éramos de uma geração sem a porra da tecnologia que temos hoje (que prejudica, mas ajuda também), uma geração insossa, em que os milicos é que mandavam nesta merda, Uma geração em que respeito e medo eram sinônimos, em que pais eram um misto de tiranos e carrascos. Onde agredir e humilhar quem não podia se defender era o mesmo que ensinar. Não éramos filhos de família, éramos filhos do medo. Cada época tem suas mazelas, isso tem, mas nem por isso tenhamos só saudade daquela sem respeitar a que vivemos.

Mas voltemos ao que interessa. O tanatopraxista está de parabéns! Não porque fez um bom trabalho, segundo as normas, com certeza não fez, deixou um cadáver sorrindo, quase rindo, algo meio esdruxulo, mas porque, sem saber, acabou contribuindo para minha satisfação. 

Estar satisfeito com a morte dele? Não, não estou. Apesar de meus muitos erros, este eu não carrego, não me lembro de ter sentido raiva de alguém até este ponto. 

Fora isso, se este canalha que agora está ali, de papo pro ar, no meio das flores, cercado de um bando de babacas, como uma trupe de atores de quinta categoria, merecia ou não o que aconteceu, não sou eu que vou julgar. Acho que isso de cada um tem sua hora, na verdade, é apenas mais uma frase feita, sem muito sentido. A verdade é bem outra - a última coisa que se quer na vida é a morte.

Fora o fato de ter assumido e criado a filha com a síndrome, é como eu digo, deveria ter tido alguma qualidade, mas eu mesmo não enxerguei porra nenhuma.

Abençoado tanatopraxista, muito obrigado, se foi você o responsável por isto...

E agora? Continue aí sorrindo, seu filho-da-puta! Não sorrirá pela eternidade, com certeza que não, o sorriso dos esqueletos não é bem um sorriso, é apenas um deboche que a natureza fez. As caveiras parecem rir o riso que nunca deram porque a natureza é implacável. 

Esse cheiro enjoativo de flores foi feito para disfarçar o seu fedor fora da geladeira. Ninguém, em seu juízo normal, aprecia o aroma dos mortos, aliás, o aroma não, o fedor dos mortos.

Isso, continue aí mesmo, em breve irá para a sua gaveta, ficará lá, deitadinho, no escuro, no absoluto silêncio, não importa algum eventual barulho que se faça lá fora. Não adianta o barulho da avenida tumultuada lá de baixo, nem ao menos o barulho dos moleques soltando pipa entre os túmulos quando estiverem no tempo desse tipo de brincadeira. 

Canto de pássaros? Isso agora não importa mais. Vai haver mais guerra no mundo? Isso não lhe interessa. Se os candidatos que você apoiou, venceram mais uma eleição ou foram presos por conta de alguma merda, não tem mais valor algum.

O sino finalmente tocou. 

Não sei porque esse último "passeio" é lento. Se foi um alívio pra muita gente, deveria ser mais rápido. Se não foi, também, de igual forma, também deveria. Não há nem fundo musical, as marchas fúnebres só devem existir em filmes, novelas ou desenhos animados...

Nem algumas últimas palavras foram ditas, não sei se porque alguém que não quis aparecer ou, ainda, por outro motivo. Talvez deve ter sido porque o morto era odiado por mais alguém do que eu.

Será que tem mais alguém que veio aqui? Talvez algum aluno daquele tempo que ele também fez uma brincadeira sem-graça e ofensiva. Ou algum cara que descobriu que foi corneado pela mulher com esse mau-caráter. Ou ainda alguém que engoliu o deboche dele, tentando converter alguém pra sua religião. Nunca se sabe.

Senti um certo alívio, minha tarefa estava cumprida..

Desço os degraus da entrada do cemitério. Alguém se mancou ao me ver com a minha bengala e gentilmente me ajudou. Desde o meu miserável AVC que sou menos amigo ainda dos degraus. O uber já chegou. 

Como sempre puxo papo com o motorista. Não posso perder a minha pose de velho simpático e meio falador. O sol até que está bonito e não muito quente por conta da estação. Reparo em algumas construções relativamente novas desde a última vez que vim aqui, já fazia um tempinho.

O carro para no bar aqui perto de casa, não pedi que ele me deixasse lá, depois não é muito difícil ir à pé. Peço uma mineira. Bebo de um gole só, depois peço uma cerveja pequena. Pronto. Já bebi o morto.

Vou pra casa. Descanse em paz lá no Inferno, seu filho-da-puta...

quinta-feira, 26 de junho de 2025

O Capital

O capital é o tal...


Engole o negro, engole o pobre,

Engole o ouro, a prata, o cobre,

O que estiver ao alcance da mão,

O fígado, os rins, o coração,

A moral, o destino e a razão...


O capital é social...


Engole o vivo, engole o morto,

Mastiga o que é reto, o que é torto,

Tudo aquilo que não há ou existe,

Engole o que é feliz ou é triste,

Tudo o que teima ou desiste...


O capital é venal...


Engole o luto, engole a festa,

O que é bom, o que não presta,

Engole o enterro, engole a folia,

Encarcera a noite, aprisiona o dia,

Nada é livre, tudo é mercadoria...


O capital é imoral...


Engole o asfalto, engole a favela,

Engole a vida, o sonho, a novela,

Faz tudo pelo que é o dinheiro,

Destrói o dezembro, mata o janeiro,

Dorme na sala e canta no banheiro...


O capital é brutal...


Engole a pergunta, engole a resposta,

Aquilo que odeia e aquilo que gosta,

Engole o inocente, engole o culpado,

Aquilo que presta, o que está errado,

Não tem convicção, não escolhe lado...


O capital é do mal...


(Extraído da obra "Pane Na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Fisiologia Poética

Toda poesia é atemporal,

Impossível dizermos quando nasce

E quando morre (se morre...),

Os poemas são feitos de palavras doces

Ou de silêncios inquietantes.


Toda poesia é mórbida,

O poeta é um arco que joga flechas

O leitor é seu alvo

E a intenção poética é uma fera

Que caça sua presa na selva.


Toda poesia é uma veia,

Nela corre todo o sentimento,

Seja ele bom ou mal expresso,

Carregado ou não de fantasia,

O resto é uma receita de bolo.


Toda poesia é como um susto,

Como uma visita imprevista,

Um cometa caído do céu

Ou um barulho na madrugada

Que acabou tirando o sono,


Toda poesia é apenas um jogo,

As rimas são cartas marcadas,

As figuras são apenas estratégias,

Mas ninguém sabe afinal o final,

É tudo apenas mais um vento.


Toda poesia é atemporal,

Impossível dizermos quando morre

E quando nasceu (nunca se sabe...),

Os poemas são feitos de palavras rudes

Ou de silêncios que gritam...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Carliniana LXXXIX ( A Queda do Vidro )

Um centímetro, um palmo, um metro

Qualquer distância é o suficiente

Para que o vidro caia e se quebre

E então acabe ferindo a gente...


Uma palavra, uma sílaba, um silêncio

Qualquer som ou não se faz presente

Para que nos traga logo a cura

Ou então deixe a nossa alma doente...


Um cor, cor nenhuma ou apenas risco

Qualquer significado apenas aparente

Pode ser apenas uma ilusão de óptica

Ou é mais um defeito da nossa lente...


Um amor, um namoro, uma paixão

Qualquer condição para um vivente

Estar em todos os lugares que existam

Mesmo que apenas em nossa mente...


Um centímetro, um palmo, um metro

Qualquer distância é o suficiente

Para que o vidro caia e se quebre

E nada seja então diferente...

Gentle Fear

Debaixo da sua saia

Antes que a casa caia

Antes que o riso pare

E a arma então dispare


Eu quero fazer aquilo que não fiz

Quero tentar ser quase feliz

Como um desses pássaros de Manoel

Mesmo que não consiga ir ao céu...


Mesmo que a rima falhe

Mesmo que a boca cale

Mesmo se a vista turva

E a estrada chegue na curva


Que venha o carnaval outra vez

Que tenha certeza até no talvez

Que os mortos não me deixem sozinho

Mamãe eu preciso de carinho...


Comida na mesa posta

Para a pergunta a resposta

Para o bom dia o bom dia

Para a descrença a alegria


Eu quero que a tristeza vá cedo

E que o medo tenha medo do medo

Um sol certamente já brilhou

E agora eu saberei quem eu sou...


Debaixo da sua saia

Antes que a casa caia

Antes que o riso pare

E a arma então dispare...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).

terça-feira, 24 de junho de 2025

Barshid e O Canto da Parede

Faltam-me agulhas sem pontas

Para certos paradigmas desiguais.

Ela é tão delicada qual um rinoceronte.

Hoje é dia de bailar num vulcão

Enquanto chupamos dropes de giz.

Todas as metáforas da vida

São cigarros baratos achados no lixo.

Me arrependo do mal que não fiz.

Minha poesia é apenas um bagre

Que perdeu suas asas numa bienal.

Quero bochechas com aroma sutil.

De hoje em diante só calças roxas

Serão permitidas em via pública.

Tudo o que conhecemos é o oculto.

O limite do meu tesão é o absurdo

E meu frio é abaixo de quarenta graus.

Sinto gosto de sangue em todos aromas.

Os meus óculos me torturam sempre

Mas mesmo assim só com eles enxergo.

A mesma lei do Cão é a lei do Gato.

Não fui mais passear em Copacabana

Desde o tempo de alguns lírios negros.

Quero beber a água gelada dos vulcões.

Só escolho todas maiores dificuldades

E a vida é a maior de todas que existem.

Posso me esconder de quase tudo que há

Mas esconder-me de mim é impossível.

Meu reino por um cavalo-marinho agora.

O costume do cachimbo entorta os olhos

Em paradas em que faltam os participantes.

Nas minhas veias corre sangue cor de laranja...


(Extraído da obra "O Livro do Insólito e do Absurdo" de autoria de Carlinhos de Almeida).

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Tem Fome Com Gente

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Estranho ou parente,

Pombinha ou serpente,

Lá atrás ou ali na frente...


Quem pode acabar não acaba,

Quem pode solucionar não importa,

Quem pode segurar essa braba?

A gente dá de cara na porta...


Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Quem canta não sente,

A grana é entorpecente,

O poder é inteligente...


Ninguém me dá um cigarro,

Ninguém me paga um salgado,

Vai continuar tirando sarro?

Por essa porrada, muito obrigado...


Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente,

Tem fome com gente...


(Extraído do livro "Pane na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Nai Teirra du Naida, Nu Dia du Impossive

Muriola com cerveija é bão! Vaile mais que um milhão! Sairdinha cum tuibarão? Isso vai dair confuisão... Feiliz ié u gaito! Qui naum preicis...