sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Cada Pedaço

 


Cada pedaço, cada resto, cada coisa, trazem em mim lembranças que doem ou fazem sorrir, dependendo de cada momento e cada momento é tipo um bicho que não consigo domesticar, um bicho que me estranha, que me morde, que me fere, até que eu corra ou simplesmente caia no chão, esperando o pior sem poder ao menos me defender...

Cada pedaço, cada lembrança, cada gole, fazem que eu fique mais e mais tonto, até não poder mais saber quem sou, saber onde estou, girar nesse imenso carrossel, seja desesperado ou calmo demais, olhando as luzes coloridas dos meus sonhos, sem poder distinguir se eram bons, se eram maus, afinal de contas, não sabemos qual o caminho que podemos percorrer ou não...

Cada pedaço, cada rastro, cada sinal, mostram-me sombras que eu não sei o que são, talvez sejam o tempo cobrando meus débitos, me olhando de cara feia, dizendo mil ameaças, ou rindo de deboche da minha cara porque meus desejos simplesmente me levaram para o mais ridículo de todos os nadas e agora é isso que sou e sempre serei...

Cada pedaço, cada etapa, cada pegada, são as provas de um crime sem perdão, o crime de querer ser o que sou, livre, cheio de maldições e de bênçãos, ao mesmo tempo anjo e demônio, ao mesmo tempo mocinho e vilão, sem nada entender e apenas isso, ser mais uma dessas luzes vadias em um pedaço qualquer desse céu sem tamanho...

Cada pedaço, cada fato, cada ruga, palavras esquecidas que um dia alguém falou, impressões vistas num espelho coberto de poeira, traços inexplicáveis à procura de um vidente que possa explicar cada um deles, antes que a noite chegue e aí não terá mais nada, como um diário que acabou sendo jogado no lixo...

Cada pedaço, cada ruído, cada sussurro, tudo que eu posso e o que não posso, o morto de repente se levantou do caixão, as carpideiras caíram no riso, a plateia do espetáculo saiu correndo, o sino acabou se calando e todo mistério deu o braço ao mistério e saíram à francesa para o bar mais próximo...

Cada pedaço, cada gesto, cada sinal, uma pedra parada no caminho, sem versos, sem som, sem maneiras, apenas pedra, fazendo conosco o que quer, mesmo quando suas surpresas são sem graça, ainda que o óbvio nos seja presente por todos os dias que se desmoronam feito um castelo de cartas...

Cada pedaço, cada resto, cada coisa, cada eu...

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