domingo, 27 de dezembro de 2020

Pequeno Mundo ou Caim Chegou Para Almoçar

 


Muitos peixes no pequeno aquário. E aflições se repetindo que nem alguns ventos teimosos. Caim acabou de chegar para almoçar. Eu tenho certas saudades estranhas. Até de coisas mais ou menos ruins que lembro com certeira insistência. 

Os micos atravessam os fios com uma velocidade bem maior do que a da luz. Cenas impressionantes são imortais em quase todas as retinas. Como um balé que vi de soslaio quando atravessei a sala. Um brinde aos que ficaram e aos que partiram...

Muitos carros na rua apertada. E uma sinfonia inexplicável de certeiros semáforos. Acho graça em certas palavras, saboreio-as como um bem comportado mutante. Meus bolsos estão cheios de cartas que acabei não remetendo. Mal a friagem sabe que sou bem pior do que isto.

Estou exercendo um novo e interessante ofício: cato estrelas como se fossem conchinhas. Minha meninice chegou aos maiores extremos. E por isso mesmo não conhece limite algum. Uma câmera funcionando na mente. Acabo confundindo luz e escuridão ao meu bel-prazer. E muitos gritos que estão para eu dar...

Muitas palmas da plateia silenciosa. E alguns enigmas que se desfazem como a areia que um dia brinquei até não poder mais. Eu pulo sobre as nuvens e não tenho mais medo de escorregar. Faço mágicas prodigiosas com quaisquer sombras. Há muitos elixires, mas não possuo rótulos em seus frascos.

Não tenho preocupações acadêmicas e frustrantes. Chamam isso de loucura e na falta de outro termo também chamo. Gramática foi o meu forte, mas exageros sim. Nenhuma cabala me impressiona como foi antes. Coloco lentes de aumento em tudo que possa existir. E o que não existir, eu mesmo crio...

Muitos brindes ainda por fazer. Como o fim de inúmeras tolices que teimam de ficar entre os homens. As ilusões roem até os ossos. Quanto mais elas comem, mais vontade têm de comer, é assim que acontece sempre. Aos vencedores quase as batatas.

É uma vida quase normal. Feita de pedaços de tentativas, vários visitantes de vários lugares que chegam de imprevisto e nunca batem na porta. Quem poderia me salvar era eu, mas acabei decidindo o inverso. Vou rindo de todos os meus erros mais absurdos...

Muitos soldados sem seus uniformes. E guerras cotidianas não-declaradas. Guerras de gigantes e guerras de formigas, todas elas sem razão e sem sobreviventes. Holocaustos quase que invisíveis. Pandemias que existem sem sabermos e há muito mais tempo. Todos morrem.

Todas as decepções possuem pressa. E as águas dos rios somem de vez em quando. A normalidade é desagradável quando quer. E as histórias costumam mudar de roupa. Os tiros são cegos e os golpes mais certeiros provêm desse mesmo dilema. Algumas felicidades até enjoam...

Muitas pessoas em pequenas celas. E a importância sendo um conceito tão abstrato quanto as pedras. Eu evito a solenidade geralmente. As marcas na carne custam cada qual seu preço. E nunca existem prestações. Em cash, por favor. Meus mapas estão todos rasgados e o GPS falhou.

Todos os meus domingos eu prefiro esquecer. ão é preciso razão para qualquer querer. O desconhecimento pode consolar ou matar, dependendo da hora e do veneno que foi escolhido. Até o arame farpado pode agradar...

Muitos peixes no pequeno oceano. E aflições se expandindo que nem algumas águas caladas. Caim acabou de chegar para ficar. Eu tenho certas saudades estranhas. Até de coisas mais ou menos ruins que lembro com certeira insistência. 


(Extraído do livro "Insano" de autoria de Carlinhos de Almeida).

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