quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Ah! Isso Pra Mim É Tira-Gosto...

Ficar alguns dias sem comer?

Achar que isso é vida e apenas sobreviver?

Querer falar e ter que ficar calado?

Ser inocente e ter que se passar por culpado?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Levar dias trancado fora da cela?

Ficar imaginando o impossível igual novela?

Ter fé no futuro que não vai acontecer?

Não olhar no espelho para nem querer se ver?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Ter como companhia apenas seus cães?

Repetir monotonamente todas as suas manhãs?

Ter que se contentar com menos que pouco?

Achar que uma hora dessas vai ficar é louco?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Você fazer e o outro levar a recompensa?

Seu problema ser maior do que aquilo que pensa?

Andar com cuidado para não cair na rua?

Seriamente duvidar se após a morte a vida continua?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Ver que na verdade nada lhe adiantou?

Chorou sozinho sem saber onde foi que você errou?

Seu desespero não lhe causa mais algum medo?

Achar que é essa vida é um malvado brinquedo?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Quem você ama é quem lhe maltrata?

Seu bolso está furado e sem nenhuma prata?

Seu melhor amigo lhe passou para trás?

Já não chega de sofrimento e ainda tem mais?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...


Com o tempo a gente acaba se acostumando?

É num grande filho-da-puta que estou me tornando?

É essa a lição que eu vim aqui para aprender?

Que viver é quase a mesma coisa que morrer?

Ah! Isso pra mim é tira-gosto...

É café-pequeno como já diziam os antigos...


(Extraído do livro "Pane Na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Um Retrato de Velhice 1 ( Miniconto )

A única coisa que nos salva é que as pancadas que o tempo nos dá, também sai distribuindo para os outros, aliás, para todos. Os meus cabelos embranqueceram? Sim! Mas de outros milhares também... Meus dentes já não são os mesmos? Claro! Mas de um sem-número de outros... Dores na coluna nem se fala! Acompanhamos a mesma marcha como andarilhos em um grande deserto... E sem camelo, seja dito, sem camelo! Quanto mais se vive, a criança se distancia, ainda que permaneça lá dentro. O jovem sai correndo para não sei aonde. Até o adulto sai correndo de forma disfarçada para não passar vergonha. Temos então que nos conformar com tal coisa... Depois que até o tempo cansa, aí sim, vem o final que não será igual ao da novela - partimos sem sequer dar adeus. Se seremos chorados ou não, lembrados ou não, isso é uma outra história... 

A Grande Batalha das Jabuticabas Brancas ( Miniconto )

Deve ter sido lá pela década de 70. Querem saber por que eu acho que sim? Porque eu me lembro que naquela mesma época, um dia na varanda da casa de titia eu falava com mamãe que ela possuía a idade de Cristo, foi mais eu menos naquela época. Naquela época existia naquela parte da frente do quintal, lado direito de quem estava, um pé de bacuícas. Não era lá muito soberbo e nem imponente, mas pontual. Pontual sim! Coitado. Todos os anos, na mesma estação, dava seus frutinhos. Aquelas bolinhas brancas, aveludadas, com aquela massa clarinha e aquele caroço. Era doce? Na verdade, na verdade, eu pelo menos nunca descobri. Mal começavam a dar e lá íamos nós, geralmente eu e meus primos arrancá-los. Alguns nós até tentávamos comer, mas estavam azedos demais. Os outros, em maior quantidade, era o nosso maior objetivo. Memoráveis batalhas eram travadas, joga daqui, joga de lá. Divertimento puro de crianças que éramos, para riso do meu tio Zico e para desespero da minha tia Doca e seus inúmeros palavrões. A árvore foi cortada para ser construída a casa do meu primo mais velho, o tempo se passou, passou... Nunca mais soube de algum pé igual, ninguém que eu perguntei, conhecia. Será que era alguma árvore tão rara assim. Passados tantos anos, acabo descobrindo na internet que a tal bacuíca é uma frutífera parente da famosa jabuticaba, só que com frutos claros. Aquele nosso velho pé não foi extinto, existem muitos iguais por aí. Fico até muito contente, deve ter gente provando seu sabor depois de madura, e quem sabe? Outras batalhas ocorram entre outros meninos... 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Parto Exagerado

Bêbado no meio da festa

Distribuindo margaridas inexistentes.


Meu nome não importa mais

E aliás nunca importou.

Eu sou apenas o que acende velas

E que nunca é atendido.


A noite é apenas meu dia

Nunca soube falar a língua dos anjos.


Uma garrafa de vinho é quebrada

Para comemorar o meu mal.

Eu sou apenas aquele último da fila

Que acaba todos os dias.


No dia em que partir

Partirei só e sem uma despedida.


As fantasias agora foram se rasgando

Assim como os muros caíram.

Alguém deve ter lançado alguma pedra

E isso assustou todos as aves.


Cada um tem o seu pedaço

E o meu acabou indo ao chão.


O mar quase me engoliu num dia quente

Antes tivesse assim engolido.

Mãe me perdoe por essas múltiplas dores

Desse meu parto meio exagerado...


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Da Natureza das Cores

Nada aquém e nada além.

Apenas a palidez do tempo que engole tudo.

De uma vez sem ao menos mastigar. Voraz.

Sem choro. Menino obediente. Tem medo de apanhar.


Era aquarela. Agora é sombra. Nada mais.

Aquele amor escrito em árvore. Ou em paredes.

Ficou lá atrás. Como um vídeo que passa.

Como uma moda que acaba. Acabou a liquidação;


A bela ficou feia. Sem justificativa. Sem perdão.

Os dentes apodreceram. Caíram. Junto aos sorrisos.

Não é pessimismo. Nunca foi. A realidade é o que é.

O sonho é uma droga. Que dá barato. Até que mata.


O chumbo não está mais na tinta. Corre nas veias.

A tela não morre. Se inutiliza. Quem morre é o pintor.

Os versos sempre gritam. O poeta é que se cala.

De uma vez. De sempre em vez. Já não importa.


A liberdade também é uma corrente. Um cárcere. A cela.

O engano tem seu papel. Decorou a fala, Quer palmas.

A maldade ri de tudo. Sem ela o bem seria apenas falha.

As folhas caem. As flores murcham. Não há eternidade.


Eu um dia te amei. Quase me matava. Hoje não ligo.

Se tive asas. Não lembro. Nem se eram negras ou não.

Apenas isso. Um caos com mania de ordem, Discreto.

Nada aquém e nada além. Só isso. Só isso...


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida). 

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Um Pequeno Poema de Talvez ( Mania )

Talvez seja loucura

(ou quase isso, doutor?)

ao tirar a tinta das teclas

do velho computador...


Só sei que no meio da noite

urina e poesia me acordam...

Só sei que sou um velho

perdido num quase deserto...


Antes era pela rua

uma vontade incontrolável de voltar...

Agora estou por aqui

não precisa mais disso...


Eles chegarão desesperados

como a criança no parto...

Talvez seja loucura

(ou quase isso, doutor?)...

Ou É Um Bolero Ou É Um Tango

 

Mudou a embalagem, o produto continua o mesmo

É outro carnaval, mas repetimos a nossa fantasia...


Assim como a tristeza,

Continua a mesma,

Só o choro é diferente...


Mudaram os rostos, mas ainda são todos humanos

A moda é sempre a moda, apenas serve de engano...


Assim como o sonho,

Continua vindo,

Mesmo se impossível é...


Mudaram as casas, aquelas antigas não estão mais

Assim como as ruas que não sabem como envelhecer...


Assim como o espinho,

A saudade nos fere

E como faz até sangrar...


Mudaram os destinos, ficou feio aquilo que era bonito,

O que era bom acabou ficando apenas uma maldade...


Assim como um bolero,

Também é um tango

Mostrando o que é destino...


(Extraído do livro "Escola dos Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Ah! Isso Pra Mim É Tira-Gosto...

Ficar alguns dias sem comer? Achar que isso é vida e apenas sobreviver? Querer falar e ter que ficar calado? Ser inocente e ter que se passa...