quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Pois O Diabo Tocou Pandeiro e Eu Dancei

Plantei um canteiro de margaridas adestradas

Que elas gritassem na presença de algum invasor

Esse jardim é meu e de mais ninguém...


Escutei todos os silêncios que eram possíveis

Dentro da noite mais escura que pode existir em mim

Feita de pedaços de fome e de sede também...


A minha dança era desesperada como qualquer uma

Parecendo uma poesia sem graça de um analfabeto

Que cismou em ser poeta na falta de algo...


Um som vem da minha rua mesmo que não o queira

Isso me lembra de todas as dores que passamos

Sobretudo todas aquelas que não queremos...


Estive alguns centímetros de beira de um abismo

Mas decidi que não era a hora de querer poder voar

Não podemos decidir isto ou aquilo...


Há peixes morrendo afogados no meu velho aquário

Porque o tempo tem essas mais estranhas manias

Faltam botes salva-vidas nesse nosso Titanic...

Primeiro Natal Sem Carne Loura (Miniconto)

Esse natal vai ser bem triste, vai não, está sendo. Não que seja uma data que eu comemore. É uma data comum, onde os homens falam de coisas que nunca farão. É essa uma verdade difícil de engolir, mas necessária. Tudo que está em torno, seja o que for, o ser humano dá um jeito de matar, magoar ou destruir, independente do tamanho que seja. Tomara então que seu Cláudio tenha ido pra casa de Joyce, ele com os meninos que de vez em quando somem e vivem aprontando, mas a Mylena e o Cocada. Esse vai ser o primeiro natal sem Kamily, nunca passamos um natal juntos, mas creio que ela gostava. O primeiro entre muitos que o Pietro não pode nem pensar que a maluquinha da mãe apareça de repente. Seu corpo deve estar lá no mesmo lugar, numa gaveta do Cemitério de Santa Cruz. Hoje não tem mais nada pra ela, nem um pedacinho de carne loura que ela tanto gostou um dia...

Sem Mais Notícias da Capital

Nós fizemos amor de pé, sobre um chão de pedras

Em frente à praia que não enchia de modo algum

E isso sob um sol escaldante de puro improviso...


Depois disso, nada mais...


Dividimos muitas tardes alegres, cheias de tristeza

Em que não rolou nem aquele beijo improvisado

Mas brincamos muito com a fumaça que ia fugindo...


Mas eu me acabei, perdendo você...


Em quatro letras numa exposição total, no banheiro

O mais corpo dos corpos quase a total imortalidade

Sem um selo sequer só depois vindo no meu portão...


Nenhuma violência vale alguma coisa...


Tempos mais idos de uma escuridão mais canalha

Em que a pobreza era uma escola e também ofício

Mesmo trazendo saudades como certos incômodos...


Estou perdido em meu próprio quintal...


Não existe mais nenhuma data que comemoremos

As promoções foram feitas para somente enganar

A única notícia que temos é que não há mais notícias...


(Extraído da obra "Pane na Casa das Máquinas" de autoria de Carlinhos de Almeida)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Quase Um Tributo (Miniconto)

Mesmo passando sei lá quantos anos lembro. Deixem que a memória de um velho guarde certas coisas. Era um menino magrinho, bem magrinho, bem moreno, de cabelos bem lisos. Morava lá na favela que morei também, só não sei a casa. Aliás, não sabia quase nada dele, só o nome - Alessandro, e o apelido, Cocão. Não me perguntem o porquê desse apelido, geralmente apelidos possuem certa lógica, mas é proibido adivinhar. Cocão uma vez escreveu no asfalto da rua que dava direto pra pista - "Só eu e ela" - também não sei se com tinta, esmalte branco ou líquido corretivo. Pois bem, certo dia, eu e Dinho estávamos saindo e lá estava o menino caído no chão. Olhos meio fechados, babando um pouco, querendo falar alguma coisa e não conseguindo. Dinho colocou ele nos braços e levou para o hospital. Passados uns dias soubemos de sua morte, overdose de cola de sapateiro. Algumas mortes são bem estúpidas, essa seria mais uma. Viveu apenas treze anos, acho que nem deu tempo de deixar alguma coisa por esse mundo, nem de bom e nem de ruim. O mais provável é que ninguém lembre mais dele, exceto os pais, esses não costumam esquecer. E eu...

 

O Peso do Peso...

Em Gardênia Azul não há mais gardênias...


O cara famoso viraliza na net falando merda

E mesmo assim ganha milhões de sinceros likes

Ainda que isso não seja nada inteligente...


Não quero mais falar sobre violeta alguma...


Estamos numa era com clowns sem circo algum

Em que para sermos notados ganhamos quedas

E rir sem propósito será mais do que suficiente...


A rosa enrubesceu mesmo quando era ainda botão...


Quero comprar qualquer máquina com defeito

E desperdiçarei meu tempo com certas idiotices

Até que o final chegue e faça mais um festejo...


A margarida só sabe agora amargar nossa vida...


Agora temos os doces mais salgados do mercado

Roupas compridas que mostrem mais nossa nudez

E o sexo mais discutido em todos programas de TV...


Que o manacá possa vir logo embora depressa pra cá...


Tal a poesia que vale mais que um salgado na esquina

Mas mesmo assim todo mundo prefere a continuação

De vida mais insossa em que viver e morrer é tudo...


A vitória-régia acabou perdendo de qualquer jeito...


Um exército de mosquitos vem distribuir a tal insônia

O que mesmo assim é melhor que um tiroteio pela noite

E até trios-elétricos em que acabou de vez a bateria...


Lá na rua da Paz sempre existiu alguma guerra insana...


Não quero mais me lembrar de alguns certos detalhes

Mas forçosamente ainda continuo com certa memória

Até que o maior peso dos dias acabe me levando também...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

domingo, 21 de dezembro de 2025

E...

Esperei em não esperar mais nada

Quando muito alguns gatos-pingados

Talvez que venham para o nosso jantar...


Regras algumas daqui e outras de lá

Meu coração apertado tal não-sei-quê

Como um final de novela fracassada...


Talvez o tênis velho seja aproveitado

Para algum caminho inusitado surgindo

Entre a fumaça do que nem incendiei...


Mares-de-rosa também possuem espinhos

E talvez a bebida gelada possa cair no chão

No exato momento que faríamos o brinde...


O costume deixou um pouco mal-acostumado

Ao menino que gostava de brincar na areia

De uma praia que agora nem pode mais ver...


Tragam-me aquele me resto de sono de volta

Pois todas as mágoas acabam se misturando

Enquanto todos os dezembros querem morrer...


Fulano e sicrano e beltrano fazem a ciranda

E mesmo não sabendo quais são os seus nomes

Pedimos licença para também poder brincar...


A velha louça de família está agora quebrada

O velho camafeu de ouro agora já enferrujou

E eu acabei me cortando sem ter uma lâmina...


Tudo agora se transformou numa fila única 

Onde minhas palavras e meus gestos nada valem

Sendo que os riscos porque passei falharam e...


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

sábado, 20 de dezembro de 2025

Quase Meia-Noite (Miniconto)

É quase meia-noite. Deve ser sim. Só sei que hoje é o último dia do ano, isso é. De vez em quando esqueço a minha própria idade, depois lembro. A de muita gente que já foi na minha frente, esqueço. Não é minha culpa, juro que não é. A vida vem da morte, é o que dizem. Acaba obedecendo ela. Tudo que nasce morre um dia, é a verdade. Mas veja bem, hoje é o último dia do ano, é sim. Juntei o que podia, dessa semana que passou, sabe? Fumei menos, bebi menos cana, o que sobrou deu pra passagem. Não vou lá pra Copacabana. Eu sei que lá tem bastante gente, gente com mais grana do que eu, gente fodida igual a mim, muito gringo também. Mas lá a competição é bem maior, ah, isso é. Mistura tudo, quem vai correr atrás do seu com quem vai passar a perna nos outros. Preferi vim pra cá, dei um pulo no muro, peguei o trem, depois a van. Cheguei. Aqui não tem muita gente com grana, mas tem gente que bebe também. É só não dar mole, pego muita lata hoje. As garrafas de champanhe do pessoal da curimba, nem ligo, já foi tempo que vidro valia alguma coisa, hoje uma merreca que não vale a pena. Ainda bem que não choveu mais estes dias. O clima aqui anda meio pancado das ideias, não se sabe mais se é verão ou o que é. Já começaram a tocar funk, mais tarde vai ser pagode. Nem quero saber. Não tenho relógio, meu celular tá ruim, mas quando der meia-noite escuto os fogos no céu, os cachorros desesperados e muita gente fazendo promessa pra não cumprir. É cada um com seu cada um, se vierem me desejar, eu também desejo: Um Feliz Ano Novo! 

Pois O Diabo Tocou Pandeiro e Eu Dancei

Plantei um canteiro de margaridas adestradas Que elas gritassem na presença de algum invasor Esse jardim é meu e de mais ninguém... Escutei ...