segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Quase Um Tributo (Miniconto)

Mesmo passando sei lá quantos anos lembro. Deixem que a memória de um velho guarde certas coisas. Era um menino magrinho, bem magrinho, bem moreno, de cabelos bem lisos. Morava lá na favela que morei também, só não sei a casa. Aliás, não sabia quase nada dele, só o nome - Alessandro, e o apelido, Cocão. Não me perguntem o porquê desse apelido, geralmente apelidos possuem certa lógica, mas é proibido adivinhar. Cocão uma vez escreveu no asfalto da rua que dava direto pra pista - "Só eu e ela" - também não sei se com tinta, esmalte branco ou líquido corretivo. Pois bem, certo dia, eu e Dinho estávamos saindo e lá estava o menino caído no chão. Olhos meio fechados, babando um pouco, querendo falar alguma coisa e não conseguindo. Dinho colocou ele nos braços e levou para o hospital. Passados uns dias soubemos de sua morte, overdose de cola de sapateiro. Algumas mortes são bem estúpidas, essa seria mais uma. Viveu apenas treze anos, acho que nem deu tempo de deixar alguma coisa por esse mundo, nem de bom e nem de ruim. O mais provável é que ninguém lembre mais dele, exceto os pais, esses não costumam esquecer. E eu...

 

O Peso do Peso...

Em Gardênia Azul não há mais gardênias...


O cara famoso viraliza na net falando merda

E mesmo assim ganha milhões de sinceros likes

Ainda que isso não seja nada inteligente...


Não quero mais falar sobre violeta alguma...


Estamos numa era com clowns sem circo algum

Em que para sermos notados ganhamos quedas

E rir sem propósito será mais do que suficiente...


A rosa enrubesceu mesmo quando era ainda botão...


Quero comprar qualquer máquina com defeito

E desperdiçarei meu tempo com certas idiotices

Até que o final chegue e faça mais um festejo...


A margarida só sabe agora amargar nossa vida...


Agora temos os doces mais salgados do mercado

Roupas compridas que mostrem mais nossa nudez

E o sexo mais discutido em todos programas de TV...


Que o manacá possa vir logo embora depressa pra cá...


Tal a poesia que vale mais que um salgado na esquina

Mas mesmo assim todo mundo prefere a continuação

De vida mais insossa em que viver e morrer é tudo...


A vitória-régia acabou perdendo de qualquer jeito...


Um exército de mosquitos vem distribuir a tal insônia

O que mesmo assim é melhor que um tiroteio pela noite

E até trios-elétricos em que acabou de vez a bateria...


Lá na rua da Paz sempre existiu alguma guerra insana...


Não quero mais me lembrar de alguns certos detalhes

Mas forçosamente ainda continuo com certa memória

Até que o maior peso dos dias acabe me levando também...


(Extraído do livro "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

domingo, 21 de dezembro de 2025

E...

Esperei em não esperar mais nada

Quando muito alguns gatos-pingados

Talvez que venham para o nosso jantar...


Regras algumas daqui e outras de lá

Meu coração apertado tal não-sei-quê

Como um final de novela fracassada...


Talvez o tênis velho seja aproveitado

Para algum caminho inusitado surgindo

Entre a fumaça do que nem incendiei...


Mares-de-rosa também possuem espinhos

E talvez a bebida gelada possa cair no chão

No exato momento que faríamos o brinde...


O costume deixou um pouco mal-acostumado

Ao menino que gostava de brincar na areia

De uma praia que agora nem pode mais ver...


Tragam-me aquele me resto de sono de volta

Pois todas as mágoas acabam se misturando

Enquanto todos os dezembros querem morrer...


Fulano e sicrano e beltrano fazem a ciranda

E mesmo não sabendo quais são os seus nomes

Pedimos licença para também poder brincar...


A velha louça de família está agora quebrada

O velho camafeu de ouro agora já enferrujou

E eu acabei me cortando sem ter uma lâmina...


Tudo agora se transformou numa fila única 

Onde minhas palavras e meus gestos nada valem

Sendo que os riscos porque passei falharam e...


(Extraído do livro "Escola de Mortos" de autoria de Carlinhos de Almeida).

sábado, 20 de dezembro de 2025

Quase Meia-Noite (Miniconto)

É quase meia-noite. Deve ser sim. Só sei que hoje é o último dia do ano, isso é. De vez em quando esqueço a minha própria idade, depois lembro. A de muita gente que já foi na minha frente, esqueço. Não é minha culpa, juro que não é. A vida vem da morte, é o que dizem. Acaba obedecendo ela. Tudo que nasce morre um dia, é a verdade. Mas veja bem, hoje é o último dia do ano, é sim. Juntei o que podia, dessa semana que passou, sabe? Fumei menos, bebi menos cana, o que sobrou deu pra passagem. Não vou lá pra Copacabana. Eu sei que lá tem bastante gente, gente com mais grana do que eu, gente fodida igual a mim, muito gringo também. Mas lá a competição é bem maior, ah, isso é. Mistura tudo, quem vai correr atrás do seu com quem vai passar a perna nos outros. Preferi vim pra cá, dei um pulo no muro, peguei o trem, depois a van. Cheguei. Aqui não tem muita gente com grana, mas tem gente que bebe também. É só não dar mole, pego muita lata hoje. As garrafas de champanhe do pessoal da curimba, nem ligo, já foi tempo que vidro valia alguma coisa, hoje uma merreca que não vale a pena. Ainda bem que não choveu mais estes dias. O clima aqui anda meio pancado das ideias, não se sabe mais se é verão ou o que é. Já começaram a tocar funk, mais tarde vai ser pagode. Nem quero saber. Não tenho relógio, meu celular tá ruim, mas quando der meia-noite escuto os fogos no céu, os cachorros desesperados e muita gente fazendo promessa pra não cumprir. É cada um com seu cada um, se vierem me desejar, eu também desejo: Um Feliz Ano Novo! 

Minimalismos 3 (Algumas Aldravias)

Façamos

Poses

Por

Mais

Puro

Desespero 


..................................................................................


Que

Não

Era

Agora

É

Mais


...................................................................................


A

Novidade

Ficou

E

Acabou

Envelhecendo


...................................................................................



Quem

Não

Chora

Não

Sabe

Rir


...................................................................................


Hoje

Não

Teremos

Nada

Para

Amanhã

Matemática Urgente

Eu sim, eu não, eu nada, eu tão...


Na vez passada escapei de rede

Andei por todas as ruas tão sozinho

Coloquei na alma o perfume da rosa

Sem ao menos importar com espinho...


Eu tive, eu tenho, eu vou, eu venho...


Pulei de um abismo pra poder voar

Mesmo esquecendo que não podia

Entrei por dentro do rabo da noite

E fui fingindo que não era mais dia...


Eu calo, eu berro, eu acerto, eu erro...


Achei finalmente quem é que amo

Mesmo caminhando ao fim do mundo

Quero beijá-la na boca uma eternidade

Mesmo que o tempo dure um segundo...


Eu corro, eu paro, eu distraio, eu reparo...


Mesmo não sobrando quase nada

Assim mesmo tudo é um recomeço

Todos os meus erros aqui estão

Pois cada erro tem seu próprio preço...


Eu bom, eu mau, eu rua, eu quintal...


Não tendo mais nada o que fazer

Nem sei mais o gosto que eu prefiro

Adeus para todos os que estão presentes

Já chegou a hora e eu me retiro...


Eu sim, eu não, eu nada, eu tão...


(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

De Escolhas

Escolher a sua marca de cerveja.

Ou sua miséria particular.

Viver como quem morre

Ou morrer como quem vive.

Guardar velhos desesperos.

Estar sempre ausente em presente.

Comprar correntes mais novas

No mercadinho do seu bairro.

Brincar somente de roleta-russa.

Ter um celular de sinais de fumaça.

Comer sempre da mesma rotina

Como um vampiro de filmes retrô.

Eis a pornografia de um anjo.

O convidado vip que chegou nu.

Aqui temos blasfêmia suficiente

Para fazer uma new inquisição.

Os melhores filósofos são indigentes.

O canibal quase morreu vegetariano.

Tudo tem seu cheiro sui-generis

Mesmo quando não temos olfato.

Os marginais compraram a marginália.

Tatuagens de bambu para insensíveis.

Qualquer hora teremos uísque sem álcool

Para pitangas compradas na feira.

Quem não foi puta um dia quase foi.

Virar a cara para o passado não o destrói.

O espelho me ensinou bem mais

Do que qualquer espinho que me feriu.

Mamãe eu não quero mais mamar.

Minha aldeia é no meio de suas pernas.

O que eu escrevo é a mais autêntica mentira

Que nem Vinicius sem morais algumas...


(Extraído da obra "Farol de Nulidades" de autoria de Carlinhos de Almeida).

Quase Um Tributo (Miniconto)

Mesmo passando sei lá quantos anos lembro. Deixem que a memória de um velho guarde certas coisas. Era um menino magrinho, bem magrinho, bem ...