Eu sou o trem! Eu sou o trem! As onze ficaram para trás, eu estou aqui. Como maestria faço segredos públicos enquanto viver é a coisa mais difícil, porém a mais normal. Meus feitiços deram em nada, mas ainda assim vou vivendo, cão e gato ao mesmo tempo. Tantos ardis que fiz e nem um beijo sequer...
Olha batata! Olha a banana! Olha a laranja! Essa feira-livre, minha e nossa, ao mesmo tempo céu e inferno, com seus artifícios, verdade seja dita. Não fecha teus olhos enquanto beijamos na boca, faz parte do nosso ofício de pecados e manhas. Não sou campeão de verbalizações, mas meus dedos ainda são meio arteiros e minhas mãos, instrumentos de pura maldade...
O grande problema é esse - queria ser enterrado no jardim lá de casa, mas a maldita prefeitura não deixa. Gostaria de admirar as borboletas, elogiar as rolinhas tímidas que pousam sob um sol de mais ou menos, brincar com os calangos medrosos. A solidão de muitos na necrópole não me atingiria mais...
Não corte estes cabelos, por favor! São bonitos deste jeito mesmo, emaranhados. Mande a racista filho-da-puta ir até a esquina ver se há mais algum perigo inventado. Todos os meus elogios foram sinceros, solenes e até engraçados. Mas é o que se pode esperar de um pobre clown que quando começa a falar, mesmo nas teclas, não consegue e nem quer parar mais...
Deixe que eu admire tuas curvas, não me cobre por isso, eu sou apenas mais um pobre poeta e isso já é o bastante para me entristecer por dois segundos. Dois segundos de uma eternidade que é bem mais do que a estrela de qualquer grandeza. Tuas coxas são abismo, pena que o fluido do meu isqueiro barato acabou...
Eu não sou machista, longe de mim! Mas bato palmas para todas as Evas e todas as Liliths, sejam elas quais forem. Os meus olhos que o digam, em velhas revistas sob o estrado da velha cama criei as histórias que até agora não contei. E se contasse, hoje nada mais valeriam, nem para mim...
Chove de madrugada, chove sim! E aqueles pequenos pés podem ficar sobre minhas pernas, na eternidade que puder ter...
(Extraído do livro "O Espelho de Narciso" de autoria de Carlinhos de Almeida).
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