domingo, 6 de maio de 2012

Faça o Favor


Não me diga! Faça o favor! Há besteiras que se pode dizer e outras não. Fale a vontade, fale com vontade, o que quiser ou quase tudo. Minta para mim se necessário for, é normal, é comum, como contar estrelas ou achar que dragões feitos de nuvens existem e voam em suaves brinquedos. Mas não minta para ti mesmo...
Não diga que a noite foi boa, a brincadeira foi engraçada e o que trazes nos bolsos compra sonhos. Os sonhos nunca podem ser comprados, eles não são nossos, nós é que somos deles. Não diga que a noite foi boa, as luzes da noite foram feitas para ferir os olhos, seus cantos foram feitos para guardar perigos e o que trazes nos bolsos não são teus sonhos. Os sonhos nunca serão comprados e cada lágrima que choras por eles são por tua e risco. Não diga que a noite foi feliz, a bebida foi boa e o prazer foi completo. O prazer é uma serpente que guarda cada jardim e só protege quem não o toca, o resto é uma ilusão de óptica criado pelos piores demônios - os espelhos. Não diga que a noite foi ótima - é pior ainda - o teu sono nunca perdoará este ou aquele desatino e a inocência que pensas guardar é vítima de tua tortura.
Guarda isso: enquanto fugires do teu perseguidor, mais insistência ele terá em fazer seu trabalho. Ele cumprirá seu papel custe o que custar pois é a vítima que pagará por seus serviços prestados. Cedo ou tarde ele te matará e se for cruel, como alguns o são, te deixará vivo e ileso, medíocre e humano, à mercê do que querias e já não queres mais.
Não me diga! Faça o favor! Há besteiras que se deve dizer e outras não. Fale se tiver vontade, fale com vontade, o que quiser, pode ser tudo. Minta para mim se necessário achar, é consequência, tolice aceitável, como correr atrás de bolhas de sabão ou mirar através do vidro colorido do gude. Mas não minta para ti mesmo... Não diga que o dia vai ser bom, o corpo está quase descansado e o que trazes nos bolsos foi preço justo. Nada é justo, quando muito quase é, porque a distância entre vencidos e vencedores não pode ser medida com a régua.  Não diga que o dia trará alegres surpresas, os teus motivos são os mais corretos e que trazes nos bolsos o mundo todo. O teu mundo não está em ti e nunca estará, a felicidade passeia livre em lugares que não queres ir e em águas pouco profundas que não queres mergulhar.  Não dia que o dia te perdoará - é esse o maior engano - ninguém te condenou, ninguém te apontou o dedo, só tu mesmo o fizeste, dia por dia, hora por hora, momento por momento, numa insistência insana, sem par.
Guarda isso: enquanto não conheceres de perto teu perseguidor, mas cruel será seu trabalho. Ele te achará em todos os cantos e deixará que penses que escapa para tonar mais divertida sua perseguição. Cedo ou tarde ele se cansará dessa brincadeira de gato e rato. E os carinhos que te der doerão mais. E os beijos que te der queimarão teus lábios. E o prazer que te proporcionar tirará o resto do que te tens até o mais completo vazio. E verás então que até quando mandavas tu mesmo é que obedecia...

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