Se eu soubesse de tantos números - contaria. Contaria todos eles. Quase todos os segundos que se fazem um dia. Contaria as chaves que nos prendem. E as portas que nos param. Os corredores que nos confundem. E a vida que se segue. Mesmo que seja em vão. Foram sóis de ontem. E tantas coisas bonitas que não existem mais. Tantas invenções agora obsoletas que revolucionariam o mundo. E mais um pouco. As fotos antigas me incomodam porque não estão mais lá. São um rosário na mão de uma velha senhora que arrebentou e as contas foram parar no chão.
Se eu soubesse de tantos números - contaria. Contaria todos eles. Sem medo algum. Porque o medo faz parte do banquete que nos servem. E a solidão é uma acompanhante fanática. E a tristeza é uma amante sem impor condições. Toda história merece ser recontada. Porque os detalhes foram perdidos. E as dificuldades são velhos andarilhos com sacos nas costas. E as dúvidas vão pulando e cantando ao nosso redor. A música é muito alta. E nós talvez já tenhamos nos visto antes.
Se eu soubesse de tantos números - contaria. Contaria todos eles. Desprovido de qualquer esperança. De que sobrem umas moedas em meus pobres bolsos. De que haja uma última piada pra poder rir. Uma festa inesperada. Uma fogueira que ainda não se apagou. Como há muitas em velhos acampamentos do ano passado. Este é o último copo! O último bar que está aberto na madrugada... As moscas pousando em minha bebida. E as estrelas lá por cima fazendo um lindo cobertor. Solenes declarações sem sentido soam pelo quieto ar.
Se eu soubesse de tantos números - contaria. Contaria todos eles. Com inumeráveis dedos de muitas e muitas mãos. Nunca sabendo onde vou parar. São ventos vindos de várias direções. E fumaças subindo com várias poses. São dragões brancos e acinzentados que sabem dançar. São heróis feitos de papel colorido que sabem voar. São o mundo todo criando vida. E as coisas inanimadas criando mil bocas e mais dois mil olhos. E quantas mãos e pés forem necessários. Tudo dança. Tudo espanta. Tudo brilha mesmo estando em seu túmulo. Nada está quieto. Nem a saudade que tortura nosso peito.
Se eu soubesse de tantos números - contaria. Contaria todos eles. Todos de uma só vez...
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