quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Eu Vi e Eu Não Vi

Eu vi sonhos tão bem guardados jogados pelo chão de velhas calçadas. Eles choravam ao seu modo por saber que todos os sonhadores quando os perdem sofrem muito. Eram tão simples. Pois os verdadeiros sonhos são o mais simples possível. Complicadas são as humanas ambições que iludem as almas e as coloca em frente ao abismo.
Eu não vi nada que me trouxesse contentamento. Os sapatos já estão velhos e cheios de lama e poeira. Os ossos doem e as carnes entorpecidas estão. Músicas antigas e indecifráveis zoam nos ouvidos que tanto choro escutaram. Não há nada mais o que fazer senão esperar. Quando os tempos eram bons somente pareciam ser. Nada há fora do luto.
Eu vi muitos soldados enfileirados marchando para a morte. Debaixo de seus uniformes haviam homens e como homens tremiam como meninos que eram. As bombas caíam do alto em aviões com outros homens. Era a festa da crueldade mostrando tudo que escapou das mãos de Pandora. Era uma festa às avessas e a idiotice apontando para si mesma em altos brados. Eu sou a embriaguez que chegou as poucos e não quer ir mais embora.
Eu não vi o amor sincero. Nem senti nada que valesse a pena de guardar em minha alma. A minha alma é feita de corredores escuros que vão dar em nada. No sótão moram incontáveis aparições que bailam no meio da noite. E no porão estão enterrados todos os mortos que nem sei se morreram. E no jardim estão as flores que murcharam na ânsia de esperar quem as colhesse. 
Eu vi o sangue derramado pelos espinhos. O tapa dado sem qualquer compaixão. Meninos e meninas que vendiam a carne em troca da própria carne. Velhos que lamentavam um segundo perdido que significou tudo ou nada. Histórias de amor mal contadas e com finais inesperadamente infelizes. Não nos perguntem porque choramos. Faz parte do show a água e o sal em nosso roteiro. Somos o mar e não sabemos. A tempestade sempre nos aponta o dedo.
Eu não vi a ternura em gestos simples. Porque o ciúme envenenou todo ar e todas as más profecias aconteceram como cálculos perfeitos de um computador malvado. Há muita história para ser recontada. Mas todos os dados se perderam como as lantejoulas da velha fantasia que durou até o carnaval passado. A mente mente e realmente somente isso basta. O orgulho faz que escondamos os rasgos de nossas roupas com uma mortalha até pior. Insondáveis enigmas na vulgaridade de todos os gestos.
Eu vi e eu não vi nada. Somente o negro das vestes e o falso choro das carpideiras que choravam por mim...

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