segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Da Natureza do Frio


Frio em minha alma, gelo, arrepio e parada eternidade. Frio mesmo quando há calor, só ou entre as gentes. Frio na chama de uma vela ou em alheio túmulo. Frio em góticos lamentos ou em sambas-enredo sem avenida. Frio em discursos que não deram certos, em beijos que não aconteceram ou em páginas em branco que queriam vida. Frio quando eu choro, frio quando eu rio. Frio em quebrados objetos que ficaram esquecidos. Frio nas palavras que nunca poderei dizer. Frio nos lugares deixados para trás ou naqueles que nunca virão. Frio em ti. Frio em mim. E ainda no arrulhar dos pombos que teimam no telhado. Frio nos gestos que contive para não magoar ninguém. Frio nas atitudes pensadas que me deixaram amargo e absolutamente só. Frio negro das noites insones em que o fogo colaborava para a angústia e o medo. Frio branco de loucos pesadelos em corredores intermináveis e sem portas, labirintos talvez. Frio de nomes, epitáfios e saudades ternas e teimosas. De verbos, substantivos, adjetivos e quaisquer construções que a boca fala em solene mentira. Quando o sonho é frio, mais triste é. Mas o problema é que eles não morrem, mas o cadáver esfria logo. E escondido fica, não é velado, mas não se decompõe. Frias máquinas, frias modernidades, frias telas, frios scraps resultante de uma mórbida gentileza que só aparentamos ter. Máscaras, pânico, moda, passos de um marionete dentro de um shopping, falsas vitrines. Não compramos nada. E se tentássemos ainda mais ficaríamos tristes. O meu frio. O teu frio. O nosso frio. O calor do sol em vão nos rodeando sem nos atingir. Ingratos. Estúpidos. Chorões. Frio em minha alma, eternamente, solidamente, mas mansamente como esse ar de manhã, sem ter você...

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