quinta-feira, 1 de junho de 2023

Lata de Sardinhas

A mocinha esquelética cheia de piercings e sardas

Olhava languidamente para o meio de minhas pernas

Enquanto lembrava-se ternamente de sua heroína

Que morreu de overdose num show clandestino

E se pergunta qual e onde será a próxima droga....

Já não sabemos mais o que nós somos...

O senhor com cara de desenganos e muitas rugas

Parecia sonhar com um novo apocalipse iminente

Onde várias dançarinas vindas da Baixada Fluminense

Mostrassem ternamente o rego de suas belas bundas

Antes de fazer suas pregações e falar sobre moral...

Já não sabemos mais o que nós somos...

Os camelôs fazem demonstrações odontológicas

De suas milhares de cáries em céus abertos

Enquanto clamam por alguma misericórdia

De prolongar suas agonias até o dia seguinte

Ou o dia seguinte ao dia seguinte talvez...

Já não sabemos mais o que nós somos...

Os meninos mostram sua angústia pelos sinais

Enquanto vendem suas outras balas

E fazem seus célebres malabarismos histriônicos

Para os motoristas que cagam e dirigem

Enquanto os helicópteros sobrevoam céus...

Já não sabemos mais o que nós somos...

Mãos estendidas a velha e nova mulher

Implora trocados aos cegos passantes

Para comprar a droga do filho-da-puta

Que lhe espera no barraco de papelão

Feito com material do lixo das lojas...

Já não sabemos mais o que nós somos...

Os repórteres com seus rostos fabricados

Contam notícias trágicas e interesses idiotas

Para uma multidão que em suas casas feias

Acabam tendo seus diários orgasmos

Porque mais alguém além deles se fodeu...

Já não sabemos mais o que nós somos...

Enquanto os fiéis passageiros fazem suas filas

Amaldiçoando os políticos de cara lavada

E escutam todos os barulhos como caçadores

É necessário chegar atrasado para reclamar

Que acabam fazendo o que nunca quiseram...

Já não sabemos mais o que nós somos...

A patricinha acorda mais cedo apavorada

Que talvez o boy com que trepou noite passada

Seja afinal o amor da sua miserável vida

E que se casem para ter detestáveis filhos

E pede a Deus que possa morrer antes disso...

Já não sabemos mais o que nós somos...

E o velho poeta vai escrevendo suas possíveis merdas

Enquanto o mundo desaba quase sorrindo

Não houve e nunca haverá certeza alguma

E enquanto o vento ainda existe lá fora

Somos apenas cadáveres de sardinhas na lata...

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