Perdi O Medo

Perdi o medo. Meus bolsos devem estar furados, as roupas estão velhas e gastas. Deve ter caído numa dessas ruas por onde ando solitário sem ter ninguém...

Perdi o medo. Envelheci o suficiente para não perder meu tempo precioso com ele. E afinal de contas, o meu rosto deve estar bem mais feio do que o dele...

Perdi o medo. Não sou o melhor entre os homens, não fiz nada que será lembrado eternamente. Mas suportei o máximo de minhas dores sem culpar ninguém...

Perdi o medo. Me acostumei com a solidão do meu quarto e com a escuridão de minhas noites vazias. A insônia acabou se tornando um costume e agora não me faz tanto mal como antes...

Perdi o medo. A escuridão se tornou um lugar-comum, os fantasmas são meros brinquedos. E agora posso ignorar os passos silenciosos que acontecem no corredor...

Perdi o medo. Não tenho mais medo de falar o que penso, nem pensar no que falo. Estou cansado da injustiça e da maldade de muitos que se dizem bons...

Perdi o medo. De não sair porque a chuva ameaça cair, aprendi com os passarinhos que cada dia é mais importante que o outro e que toda festa tem que ser agora...

Perdi o medo. Não importa se não serei correspondido em algum tardio amor, se as coisas acabarem não dando certo como quero. Mais triste que a derrota é não lutar...

Perdi o medo. De não ser educado, de não ter boas maneiras. De gritar e xingar quando quero. A sinceridade é para poucos e eu acho que sou um dos que a tem...

Perdi o medo. De ser louco, de ser palhaço, de ser o bobo da corte. Já percebi que os soldados não me protegem e que as muralhas são feitas para serem derrubadas...

Perdi o medo. De ser chamado de tolo, de inculto, de iletrado. Não há sabedoria maior do que a simplicidade, nem há maior força que a ternura, a única que pode nos desvendar o amor...

Perdi o medo. De ser um triste, mesmo quando não quero. De ser feliz todas as vezes que eu posso. O destino pode ser modificado, mas a vida nunca...

Perdi o medo. Da morte. Afinal, por que terei medo do inevitável?...